sexta-feira, 2 de julho de 2010

recipiente rubro II

este barro que me compõe não é barro
é algo mais forte
inquebrável
como um barco de casco indestrutível, inquebrável;




o bairro que me sediava já foi mutável
hoje, fixo
estável
hoje, todo prestável
fico todo à disposição do conteúdo que englobo
e à todo dispor, retenho-me a propor
o compromisso de satisfação e cultivo de tal semente que encerro
emprego-me jardineiro
dedicado à botânica desse conteúdo ao qual esmero
pois quando cultivado, floresce como relva
e de instantes, quando pisco
pronto; vira selva
perigosa e cheia de mistérios
com leões tigres e onças
pisco novamente
fica tudo inocente
calmo e sereno
doce como perfume de rosa
e como bom jardineiro, que adora o perfume das rosas
guardo para mim tal cheiro doce de se cheirar
e quando falta-me;
ai que vontade forte de chorar!
mas sou fiel e dedicado ao trabalho
ponho-me à enxada
semeio toda enxurrada
de dedicação pelo meu conteúdo
conteúdo esse, magro
não carnudo
mas ainda assim cheio de sumo de carne fresca e lisa
assim, como bom católico que todo dia se põe à missa
humedeço essa tal dessa hortaliça
com meia dúzia de respingos, para não a afogar
e quando, raramente, me tento em lhe podar
antes de mais nada me ponho à pensar,
que todo recipiente tem por objetivo conter, guardar
e quê faria eu sem conteúdo com o qual cuidar?
nunca poderia eu, jardineiro de rosas vermelhas
com cheiro de camélias doces, adocicadas rosas festeiras,
podar meu jardim
pois ele é grato
e quanto mais cresce, mais se entranha em mim
e de mim faz parte
eu, que nunca fui bom em arte
me torno uma obra da tal
não por ser intelectual nem pomposa
mas porque o conteúdo que encerro é linda e graciosa
não me pesa muito, pois é leve
não me ocupa muito pois tem sebe
e como uma cerca-viva, me faz cercado e vivo
horrorizo qualquer corte em sua estrutura
pois é perfeita com todo seu espinho
e eu, recipiente em desalinho
me sinto um mero jarro pintado de vermelho
diante de toda beleza, que até o espelho
faz questão de confirmar.




pois é
o barro que me compõe não é barro
é algo mais forte, inquebrantável
e inviolável é essa dedicação minha
que se perpetua por tempos
e eu com meus anseios,
não anseio nada além do seu amor de rosa,
vermelha,
viva;
vermelho vivo fico todo sem graça de assentir
o quão vermelho e vivo sinto-me de pronto
quando apronta-me carícias ou despeja-me encantos
e o quão encantado minha missão de cultivo se faz
sempre que tal cultivo responde-me, perspicaz:
te amo e te amo
para todo o sempre e ainda mais.




viva,
a rosa viva que me foi dada em forma de mulher.




Rodrigo da C. Lima Bruni

recipiente rubro

o amor que guardei sem saber
em mim se guarda e se faz querer
ser, cada vez mais amado e quisto



o amor que guardei bem guardado
já foi tristíssimo, hoje relaxado
solto e soberbo nas saliências do coração



o amor que guardei não foi fútil, espasmo
telefone sutil, anotado em guardanapo com rasgo
foi sonho são de louco consciente de verter
cada gota de amor, secretado sem nem eu mesmo saber



o amor que guardei e guardo
não é incoveniente
digo "mentira!" , logo se ressente
"me ardo" responde-me triste
me abro, o peito em riste,
todo pronto para recebê-lo sobre mim
dentro de mim, sem nem ter feito assim
algum preparo para tal



o amor que guardei, guardei de bobo
quietinho no seu canto
(e no meu conto de tolo,
pensava eu.
amor algum há de se ter)
como bom teimoso me pus à escrever:
"capítulo um: destino"
-paragrafo farto ou em desalinho?-
eu, que me punha em questionamento
pensei pensei e pensei
numa boa abertura pro meu livro xexelento
não achei,
mais pensei...


mas, pensei,
se amor é amor e ponto
porque não começar de pronto?
digo, no sentido direto, sem meneios
então, assim foi se afeiçoando
meu livro de amor, cada vez mais sendo humano
e cada vez mais me dava conta de todo amor que guardei em mim
e de todo verso que esqueci, assim
besta, de escrever



e mais uma vez cada pedaço do meu coração em uníssono dizia
que cada amor que vomitei, serviu na confeitaria
do preparo para este que agora me é bolo e me embola
e que o amor que guardei assim
percebi, ao final de conta:
"esse amor não é à mim"
era sim, àlguem
esse amor sabe bem quem
que cada dia eu amo mas
quanto mais o faço
mais sinto vontade de o fazer



Rodrigo da C. Lima Bruni

sexta, 2 de julho

2010
ano de copa
o copo cheio de patriotismo amarelo
o peito azul, quase roxo
as árvores mais verdes que nunca
a mente, branca, limpa de pessimismo
ou pelo menos assim foi em grande parte
em parte, entendo que o coração do brasileiro bate no peito e não no pé
descarto toda forma de validade dessa competição
e acho, cada dia mais e mais, que não se passa de um nada simulado
mas simultaneamente,
fico triste pois toda nossa gente
sofre como um todo
e o que pra muitos seria uma chance de felicidade instantânea
fonte de orgulho por ter nascido já em desgraça
torna a desgraça mais desgraçada ainda



Brasil,
já saí da tua placenta
contenta-te com o penta
pois nosso hexa...
bem,
fica pra próxima.



Rodrigo da C. Lima Bruni

desabafo

nasci aqui
onde mendigos vivem à rua
em cobertores sujos e maltrapilhos
onde dividimos nossas casas com essa tal mulher
dissimulada e venenosa
que é a nossa violência de cada dia
sim, nasci aqui
nasci e cresci aqui
e aqui, cresço e apodreço
pois nada que daqui brota
por muito tempo se mantêm
nasci aqui, com a cabeça sempre alerta
os olhos atentos, à espreita
nasci canhoto, porém à direita
em contradição comigo mesmo
pois não almejo tal infelicidade
nasci do lado errado do globo
em errônea cidade
e futilidade é achar que mero grupo
de (des)patriotas
fariam mudar tal sina
nasci aqui, senhores,
e aqui padeço até perecer
pareço-me com muitos outros
que queriam ver sua nação brilhar e se fazer por merecer
cada pessoa trabalhadora que à forma
desejando mais do que sua noção poderia alcançar
vivi e vivo aqui
sem medo de morrer nem de sorrir




nasci aqui
e aqui apodreço como caqui
exposto em banca de feira
onde os fregueses me manipulam como querem
com desgosto preparo-me para a próxima feira
nessa vida nossa de Brasileiro
de todo dia de feira



e segunda-feira estamos todos novamente à venda
ao descaso
e fazendo pouco caso
de tudo que nos cerca
nessa nação onde tudo recai em festa
Carnaval, samba e desgraça
e a graça e achar graça nela
pra só assim poder viver



nascemos aqui;
somos Brasileiros



Rodrigo da C. Lima Bruni