quinta-feira, 5 de março de 2009

temos?

o que temos?
a devastação
a miséria
a fome?



temos o que?
as armas
a tecnologia
as desigualdades?



e as bombas nucleares
os líderes de destruição
a corrupção da corrupção
que se corrompeu num nível inimaginável



diante do mais rústico princípio:
dignidade
temos sim, claro!
temos a nossa fiel desgraça



nossa filha
nossa cria
nossa!
quanto temos;



temos um quê
de sobrevivência
de coerência
de amor



de união
de mutilação do bom-senso
de morte por bom senso
de censo desnecessário



temos pra quê?
temos para somente ter
e na desgraça, nos reaver
desse pouco quê



quê de humanidade
que vive e crê
e vive e crê
e morre nessa eternidade.


Rodrigo da C. Lima Bruni

um parágrafo

já não sei o que me ocorre
papel e lápis me são traidores
coração nem é amores
e a razão nem é nada



e tudo é tão todo
que já não sei o que me ocorre
eu sou um de um
não poderia me saber como o todo



nem poderia saber-me
como um de cem
logo que sem
é ausência
e como me poderia saber não estando aqui



as rimas já nem sei mais
às rimas atribuo as curvas
as nuances
de uma estrada pedregosa e inexorável
de cabelos seios e desejo



mas não as sei
apenas as dirijo
seguindo alguns seguidores
ladeira libidinosamente íngreme (quase reta, de tão)



as poesias já me são fugazes
não sou mais são
mas elas são!
só não se entende a lógica delas



que é delas
só delas
por isso não se entende
por melhor, pois entender é tão monótono



também me sou
porquanto tal que me enjoo
e, porventura, caço outro de mim
em outro de mim
mais à isso não entendo



tampouco almejaria eu;
fadar a compreensão ao ser humano
é como traçar-lhe a morte.
a incógnita inóspita da vida
é tão mais vida quando a vivemos por sentida



ao invés de compreendida.
Minha razão me guia pelos seus caminhos
seus, não meus
minha razão é minha, deveras
mas minha razão não sou eu



e se á isso um pouco entender
é sinal de que merece ser ovacionado, leitor
logo que, esteja à frente de mim
mas não da minha auto-consciência



tenho plena consciência
de que não entendo nada
escrito até o momento
e à partir de agora me sei do que digo



o amor...
mencionei-o pois todo romântico o deve
e o deixei por último
pois dele, sobre ele e para ele
não me renderia nem ao menos



um mísero parágrafo amoroso.


Rodrigo da C. Lima Bruni

idéias quaisquer.

qualquer um,
como qualquer outro
com quaisquer outras
que o fazem um qualquer
sem qualquer ambição
e qualquer amor próprio.
Quaisquer que sejam as outras
serei sempre um "qualquer um".



qualquer palavra que me defina
seria qualquer coisa dita em vão
e qualquer coisa
nunca é qualquer coisa



qualquer um
em seu qualquer estado de sanidade
diria que são palavras quaisquer
em qualquer ordem
que não dizem qualquer coisa
e qualquer coisa
nunca será qualquer coisa
nem palavras quaisquer



qualquer palavra que se defina
não é qualquer palavra
é muito mais
acima do estar, do qualquer



qualquer vestígio de autenticidade
foi pra qualquer lugar
longe de qualquer um
onde todos são um qualquer
e o qualquer é a alma de todos
qualquer palavra de autenticidade
pode ser nada de alguém
ao invés de tudo de um qualquer


Rodrigo da C. Lima Bruni

fragmentação

juntei meus poucos cacos de mim mesmo
e remontei essa falsa réplica
de um terço de toda minh'alma
dada como extinta



e prescrevi umas poucas ilusões
antes que me ocorressem
apenas para não perder o gosto de sofrer
e não ter medo que se tornassem reais



menti alguns amores
apenas para que me fizessem amado
e me acalmassem o coração
que batia, e hoje tardo
a dar-lhe um motivo para bater



e confundi-me de mim mesmo.
incompreensível o porquê disso tudo
se ao final de tudo
pouco restou do todo
que não tardou desapegar-me



deixar-me apenas com esses poucos cacos
remontados com fita adesiva
e "sabeis que uma obra de arte nunca é a mesma
depois de quebrada"



e remontei minha obra de arte
como se fosse obra de arte
estas, que são complexas como Deus,
perdem a essência quando quebradas
e se tornam apenas uma obra



e não podem ser remontadas
apenas reinventadas
sem nunca serem as mesmas
sem nunca terem de si mesmas
a essência que lhes foi tomada pela tragédia.


Rodrigo da C. Lima Bruni