terça-feira, 4 de novembro de 2008

monólogo

e então alguém tenta te convencer
ao amor do amar
sempre estipulando
os benefícios dessa bem-aventurança
sempre traçando linhas paralelas
entre a felicidade e o eterno
entre a beleza e complementação do ser
entre a morte, entre a vida



e então alguém te diz errado
meio estranho
complexado, traumatizado talvez
e mais uma vez te estimula
a procurar por esse nada
por essa viga de sustentação
por essa desculpa comprada pelos preguiçosos
que nem ao menos se dão ao trabalho de parar pra pensar



afinal, que desculpa cai tão engenhosamente bem
como uma dor de amor?
que desvio, segue vertiginosamente para cima
(quando na verdade, para baixo)
como o amor?
qual é o maior estímulo para se resolver na vida
seja intelectualmente, financeiramente...sentimentalmente
como o amor?



nenhum.



este é o mentiroso mais consumido no mundo
o doador universal de esperanças, de metas
o receptor universal de dor, angústia
ou não!
talvez receptor de felicidade e resolução
(ainda que ilusórias,
falhas
e com um quê de porém; contraditório como sempre)



não há amor, no amar
não o amor que reza-se em lendas
não, esse nunca existiu
se o fez, extinguiu-se tempo o suficiente para mover alguns fiéis
e estes disseminar o legado dessa praga ilusória pelo mundo
sempre servindo como apoio para alguns
meta para outros
e até como sonho



o amar é capitalismo
ou sexo
ou medo de viver só
ou medo de não viver sem ele
ou medo de subexistir
ou somente amar
sem sentimento, magia ou perfeição alguma
somente amar.



e então alguém tenta te convencer...
e consegue
você cai
e tudo isso muda
tudo é lindo, tudo é amor
até que você acorda do seu conto de fadas
e volta pra realidade
até que, novamente, alguém tente te convencer...


Rodrigo da C. Lima Bruni

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

antagonia

o amar, o amor
o ódio, o rancor
sentimentos quase irmãos,
gêmeos
não fosse pelo limiar
persistente entre eles



o limiar entre o ódio e o amor
um simples ato, falho ou convicto
pode, ao ódio, transformar o amor
e gerar desgaste, rancor...
mas espere!
quem ama não agoniza, também ao rancor?



que diferença se faria presente, então,
entre esses dois opostos?
o estupor do amor
o dilacerar do ódio
a angústia do rancor...
nenhuma diferença há de ter



ao menos, não às pessoas realistas
insensíveis
racionais
e indiscutivelmente certas...
ódio e amor são, de fato
irmãos



andam de mãos dadas o tempo todo
e um se faz presente para ser lembrado o outro
pois são irmãos, querem bem uns aos outros
e somente os racionais,
os pseudo-frios
os não-sentimentais os descobrem assim



o que há são ápices
nos quais um sobrepõe-se
ocultando o outro
puro egoísmo
egocentrismo
uma pena que se aplique até á irmãos



amor e ódio
são como noite e dia
caso não houvesse esse paradoxo
paradigma de antítese,
tudo seria ódio
tudo seria amor



ou tudo seria tudo
frio, onipotente
auto-suficiente
e vazio...
como o peito de quem, assim,
os escreve


Rodrigo da C. Lima Bruni

desperdício de linhas

regras...
regras para se sentir
regras para se portar
regras para se gostar
regras para se casar



regras para trabalhar
regras para se divorciar
regras para defecar
regras para urinar
regras para se falar



estúpidas, um milhão de regras vêm a sucumbir
quando à hora da morte
chegada a hora de partir
injustiça, assim as ter
tanta regra pra viver
nenhuma regra para se morrer



Rodrigo da C. Lima Bruni

constatação

estou viciado,
fico triste a constar,
estar viciado
na droga do não amar


consumista, prepotente
exige tudo de você
tudo do todo
e no todo se mostra presente
gangrenando cada alegria
cada esperança
fazendo-as alergias
ao fado do homem,
o amar.


...o amar
o amor ao mar
o desidratar
ao amor do mar....


se faz tão persistente,
coerente
que se torna parte da razão
lei do ser vivente
à esta impõe a indiferença,
descrença
no potencial de viver o amar
de amar o viver


estou viciado, admito
e como toda droga
esta me suga,
me suja
e se dela não me libertar
com medo afirmo
que à sua semelhança
irei me tornar


Rodrigo da C. Lima Bruni

sábado, 1 de novembro de 2008

perde-ganha rotineiro

perde-se todo o amor de uma vida
para ganhar-se outro
talvez definitivo
indistinto à todo o bordão do pra sempre acaba
sutil, leve e sem tempestade
não acrobata
a desviar-se de todos os problemas e fazer-se verdadeiro,mentiroso.

perde-se toda esperança
para conseguir a solidez
sensatez,
indiferença à dor
e assim ser mais coeso
mais insensível
mais você mesmo
menos seu coração

perde-se todo o atentar para as cores
corpos,
formas
tipos e odores
para poder atentar pra dualidade do preto
do branco
do preto e branco
da auto-suficiência do inodoro

da vastidão insuficiente e inexata do insípido
da morte indesejável do indesejável
perdendo cada dia que passa um pedaço
do seu antigo existir
e dando sempre lugar a um novo
ao nojo do desamor
criando sempre um estojo
para guardar os cacos do sentir

ganha-se toda a experiência
desviando do desviar
amando o desamar
e acreditando no desacreditar
sólido mantêm-se o coração
inerte, calejado à ilusão
as pancadas
hematomas do viver

ganha-se a sensibilidade artística
poética
musical
em detrimento de toda uma vida de perde-ganha
ganha-se todo o vazio
para coexistir no cheio
no lotado
no vai e vem de sentidos e destinos

ganha-se o nada
para lembrar de quanto era doloroso, embora humano e amável o tudo
luta-se intrinsecamente contra esse conformismo
cogitando a possibilidade de ser normal outra vez
mas sabendo, inconscientemente
que de normal
humano , amável e capaz de amar

resta apenas a possibilidade.


Rodrigo da C. Lima Bruni